quarta-feira, 26 de outubro de 2011

DESTAQUE

Os alunos da oitava série, nono ano,do Colégio Estadual Gregório Teixeira, participaram do Projeto de Leitura: Minha Escola lê do escritor  Laé de Souza. Foram classificados três textos, tipologia crônicas.
Os alunos escolhidos foram: Pamela, Eduardo e Thaís, os mesmos receberam como prêmio de participação um certificado e um livro de crônicas:" Acredite se quiser".
Como professora responsável pelo desenvolvimento do projeto, fico feliz, não só pelo fato de serem recompensados, mas pela iniciativa dos alunos em participar, adquirindo o saber, algo que ninguém rouba.


Quem tiver interesse acesse o site do escritor e inscreva sua escola, os materiais, livros, atividades são enviados para escola sem nenhum custo.
Ajude a ploriferar o gosto pela leitura,
Professora Lucileia Camargo
conto com você!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011


PRÁTICAS DE LEITURA PARA OS ALUNOS DA SAA
PROFESSOR ALTAIR PIVOVAR 
UFPR
Atividade com o livro de Eva Furnari
Você Troca? (Eva Furnari)

Você troca um gato contente
Por um pato com dente?

Você troca um canguru de pijama
Por um urubu na cama?

Você troca um coelho de chinelo
Por um joelho de cogumelo?

Você troca um leão sem dente
Por um dragão obediente?

Você troca um ratinho de camisola
Por um passarinho na gaiola?
Você troca um lobinho delicado
Por um Chapéuzinho malvado?

Você troca um pinguim fantasiado
Por um patim alucinado?

Você troca um mamão bichado
Por um bichão mimado?

Você troca um gato de bota
Por um sapo boboca?

Você troca um varal de feiticeira
Por um final de brincadeira?
Estratégias e recursos da aula
RECURSOS:
*Livro: "Você troca" , da escritora Eva Furnari
*Cartaz  destacando as rimas contidas no livro
*Jornal com classificados
*Revistas com classificados
*Quadro com mural para colocação de produções dos alunos
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula
Produzir textos de forma lúdica.
Conhecer o livro " Quem troca" da escritora Eva Furnari.?.
Apropriar-se do código escrito.
Escrever textos com uma característica específica.
Duração das atividades
2 aulas de 50 minutos
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
Ser leitor e escritor iniciante.
ESTRATÉGIAS:
Organizados em roda, leia para as crianças o livro " Você troca" da escritora Eva Furnari.
Para outras informações, consultar o link abaixo:
Explorar a capa, o título, as ilustrações e o posicionamento das informações sobre o escritor, ilustrador e editora são procedimentos muito enriquecedores para os leitores iniciantes. Perguntar: Quais são os itens que estão em todas as capas de todos os livros?  E qual é o título do livro? Vocês conhecem outros livros dessa autora?
 
Também apresentar a contracapa e a folha de rosto, suas funções e características. Fazer indagações sobre a imagem  que ilustra a  capa do livro, provocando o interesse e a curiosidade. Perguntar: Qual "pista"  essa ilustração da capa nos dá sobre o assunto do  livro?  O que vocês veem nessa imagem? Vocês conhecem esse ilustrador? As perguntas são estratégia de leitura, porque o  aluno vai ficará atento para confirmar as hipóteses que fez.
GATO CONTENTE              PATO COM DENTE CANGURU DE  PIJAMA     URUBU NA CAMA                                            LEÃO SEM DENTE       DRAGÃO OBEDIENTE 
Provocá-los a pensar em outras trocas possíveis, respeitando o critério das rimas, sendo você, professor, o escriba que deverá registrar as ideias possíveis no quadro e problematizar as sugestões que não estejam de acordo com a rima proposta.
Mostre aos alunos o caderno de classificados  de um jornal, indagando se eles sabem qual é a função daquela seção do jornal. Após levantamento do conhecimento prévio, diga-lhes   que há alguns adultos que fazem trocas de objetos através de anúncios, nesta área  específica do jornal. Perguntar se os alunos conhecem o que é e para que serve, além de trocar, um classificado de jornal.
O produtor do classificado deve ler para a turma a sua produção e afixar no mural, e o papel destinado pra a escrita do classificado, a ilustração pode contribuir para deixar o trabalho mais lúdico.
Recursos Complementares
Para o professor conhecer um pouco mais dos pressupostos teórico desta aula, sugiro o vídeo abaixo do Programa de alfabetização ( PROFA)A avaliação ocorrerá durante toda a aula, observando a participação dos alunos, e nos momentos de produção escrita, o professor poderá observar o quanto os alunos estão avançando nas suas hipóteses de escrita.
COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA
Com seu traço gaiato e divertido, Eva Furnari propõe as mais
exóticas e hilariantes trocas, brincando com as palavras — na tra-
dição dos trocadilhos — e também com a reputação de clássicos
personagens (como o lobinho delicado e o chapeuzinho malva-
do). O texto resulta extremamente expressivo, ainda que sim-
ples, muito adequado aos que se iniciam na leitura, pois a cada
duas páginas a criança tem um texto completo que, enriquecido
pelas ilustrações, diverte e satisfaz sua expectativa de leitor. Não
há uma narrativa, uma trama a ser seguida, apenas quadros que
estimulam a criatividade dos pequenos. Qual deles não gostará
de propor sua troca também?
acontecido? Será que isso tem algo a ver com o título do livro?
Observar com eles os detalhes da imagem. Verificar se percebem que a moldura do quadro faz parte do cenário: é galho onde se apóiam os passarinhos, de onde pende a maçã, onde se enrosca a serpente ou a minhoca ou de onde brotam outros galhos.
Depois da leitura:
1.Observem juntos que as trocas têm por base palavras que retomam sílabas ou sons de outras. Releiam cada  troca  fazendo  um levantamento das repetições. Uma sugestão é fazer na lousa um quadro a ser completado no curso da leitura, por exemplo:
GATO CONTENTE             PATO COM DENTE
CANGURU DE PIJAMA     URUBU NA CAMA
LEÃO SEM DENTE       DRAGÃO OBEDIENTE
E assim por diante.
2.Observem juntos cada ilustração, o que elas e a moldura dizem.
 A seguir faremos sugestões apenas para alguns dos qua-
dros, mas todos eles merecem um trabalho de observação e
discussão.
3.Na primeira troca (“o gato contente” / “pato com dente”), observem juntos o que as ilustrações dizem e discuta com os alunos:
por que é que o gato está contente? O que é que ele está fazendo
parece estar sentindo? E o pato? Pato tem dente mesmo? O que as molduras desenharam para o pato?
5. Pergunte-lhes: Vocês trocariam um “leão sem dente” por um “dragão obediente”? Qual deles vocês prefeririam como animal 
de estimação?
6. E o “Chapeuzinho malvado”? Como será ela? Pergunte se gos-
tariam de trocar a história tradicional do Chapeuzinho delicado
e o lobo malvado por essa outra. Como ficaria essa história? Pro-
ponha que criem um texto coletivo imaginando essa nova trama.
Professor: o registro pode ser feito por você ou revezando os 
“escribas” na lousa. É aconselhável que criem primeiro o texto
oralmente, para evitar repetições ou incoerências.
9. Proponha que inventem uma troca para a ilustração da pá
gina de introdução. Observem que essa maçã já apareceu na
capa tentando abocanhar a minhoca. Esperem: mas não hou

ve uma troca? Quem corre atrás da maçã não é a minhoca? A 
frase poderia ficar assim: Uma maçã devorada por uma mi-
nhoca apavorada.
10. Organize-os em duplas e proponha que um invente uma tro-
ca e o outro a ilustre. Depois, já que estamos brincando de tro-
cas, trocam-se os papéis.
12. Aproveite essa época de “trocas” e traga para a classe alguns classificados de jornais ou revistas anunciando trocas. Analisem juntos a estrutura desse tipo de texto. Depois organizem uma feira de trocas. Cada um deve trazer de casa um objeto (um brinquedo, um livro, etc.) que queira trocar e escrever seu anúncio dizendo também com o que gostaria de trocar. No dia da feira, afixem os anúncios num mural e exponham os objetos.
LEIA MAIS...
1. DA MESMA AUTORA
• O amigo da bruxinha — Editora Moderna, São Paulo
• Travadinhas — Editora Moderna, São Paulo
• Filó e Marieta — Edições Paulinas, São Paulo
• Violeta e Roxo — Quinteto Editorial, São Paulo
2. SOBRE O MESMO GÊNERO
• Não confunda — Eva Furnari, Editora Moderna, São Paulo
Ampliar a página de um livro, plastificar no papel contacto.(± 30cm de altura);
Colocar a história misturada, deixar fora o último cartão.
Os alunos vêm um cartaz, mas não lêem, nesse processo de truncar fazemos com que o aluno leia o processo.

O trabalho com a música é  elemento extremamente importante na língua;
 sempre que possível, 1º pelos ouvidos;
Zeca Balero e Zeca Godinho – O coro das velhas.
Qual é o nome da velhinha?
Idade?
Nome dos dois cantores?

CURSO SALA DE APOIO

ALGUMAS ATIVIDADES PARA SEREM TRABALHADAS COM ALUNOS QUE TENHAM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM.

Indez

Louvor da manhã
A primavera, o verão, o outono e o inverno eram nomes que se misturavam com outros reinos. A gente só conhecia a estação das águas e a estação da seca. Era lugar onde o ano estava dividido em sol e chuva, entremeado com o casamento de viúva- o sol e chuva ao mesmo tempo- enfeitado de arco-íris.
            No tempo das águas, eram enchentes com o gado subindo para o cume da serra, correndo da morte. Eram os raios, chicote de São Pedro, que riscavam os céus- escuras nuvens- acompanhados de trovões que amedrontavam até os animais do terreiro. Eram os pedacinhos de sabão, do perfumado, colocados na beira do telhado com um pedido: “Santa Clara, mande o sol para enxugar nosso lençol”. E as chuvas prometiam farturas.
            Com a estação da seca vinham os banhos nos rios depois de engolir piabas vivas, para aprender a nadar, pescadas em peneiras. Tempo de fogueiras para os santos de junho- Santo Antônio, São João, São Pedro. Depois os ventos de agosto, despaginando as nuvens, contavam longas histórias de monstros vestidos de algodão, entre pipas. Tempo ainda de passeios mato adentro com o coração rezando: “São Bento, água benta, Jesus cristo do altar. Arreda cobra, arreda bicho, deixa o filho de Deus passar”.
E na boca da noite a roda rodava no quintal, cheia de cantiga: “Se esta rua fossa minha, roda pião, capelinha de melão, eu mandava ladrilhar, bambeia pião, que o pai Francisco entrou na roda, roda pião, e eu sou pobre, pobre, pobre, na palma da minha mão, roda pião”.
            A infância brincava de boca de forno, chicotinho queimado, passar anel, ou corria da cabra-cega. Nossos pais, nessa hora preguiçosa, liam o destino do tempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho da Lua, na direção dos ventos.
O mundo não estava dividido em dois, um para pessoas grandes, outro para miúdos. As emoções eram de todos. Todos ficavam felizes na festa de casamento, nos bailes juninos, nos almoços de batizados. Todos viviam da mesma tristeza, nas quaresmas, e da mesma angústia pelas estiagens que matavam as plantações.
E quando se começava a engordar galinhas, era um aviso de que um novo irmão estava para chegar. E nascia recebido pela mesma alegria com que se comiam as asas, as costelas, os pés, os pescoços, sobra de canja coberta de salsa e cheiro que fortificava a mãe de resguardo sobre a cama branca.
No dia em que o umbigo da criança caía, a parteira, madrinha de todos os nascimentos, o enterrava num em lugar escolhido. Se no jardim com flores, a menina seria bela e boa jardineira; se na horta, o menino seria lavrador e, se no curral, boiadeiro. O destino era assim escolhido sem outros inúteis anseios.
Assim sendo, nascer era tão bonito que acreditar em outra vida era coisa muito simples.

(QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Indez. BH: Ed. Miguilim, 1994)



O médico
Farsa de Luce Hinter, tirada de uma comédia de Molière, traduzida da “Collection Feu et Flamme”, Editions Fleuries, Paris

Personagens:
Pedro, o lenhador
Maria, sua mulher
O mensageiro do rei
O rei
A filha do rei


1º ato
Cenário: Um jardim
Pedro, armado de um pau, chama por Maria

PEDRO- Maria! Maria! Você vem ou não vem? (Anda pelo palco, furioso) Maria! Ó Maria!...
(Chega Maria, sua mulher, tremendo de medo)

MARIAPronto. Aqui estou...Estou aqui...

PEDRO- Onde é que você andava, mulher? Na certa, tagarelando com as comadres faladeiras como você. Venha aqui que eu lhe mostro o que é desobedecer ao marido.
(Com um pau, Pedro bate em Maria)

MARIA- Ui...Ui...Deixa estar, malvado, que eu me vingo. Hoje mesmo me vingarei. (Sai resmungando queixas)

PEDRO- E agora irei à floresta arranjar pau mais forte. Este está ficando muito usado. (sai) (entra o mensageiro do rei, procurando alguém)

MENSAGEIRO- Ó de casa! Não há ninguém aqui? (Maria arrisca a cabeça)

MARIA- O que é que o senhor deseja?

MENSAGEIRO- Saber se este caminho vai até a cidade.

MARIA- Bem...É sim. É o caminho. Mas por que o senhor quer ir à cidade? Fazer o quê?

MENSAGEIRO- Você quer mesmo saber? (Confidencial) Pois vou arranjar um médico para a filha do rei.

MARIA- Um médico para a filha do rei! Coitada...Ela está doente?

MENSAGEIRO- Muiro doente. Está com uma espinha de peixe atravessada no gogó. Não pode nem beber nem comer!

MARIA(À parte)- Está na hora de eu me vingar de meu marido . (Alto) Senhor mensageiro, não é preciso ir à cidade. Meu marido é ótimo médico.

MENSAGEIRO- É médico

MARIA- é, mas...

MENSAGEIRO- Mas, o quê?

MARIA (Aproximando-se dele e confidencialmente)- Ele não irá se o senhor não lhe bater bastante. É uma mania...Quanto mais apanha, melhor médico ele fica. É assim mesmo meu marido...

MENSAGEIRO- Onde está este homem? Quero levá-lo, vivo ou morto, à presença do rei.

MARIA- Ele deve estar ali perto daquele bosque. Pode chamá-lo. O nome dele é Pedro.

MENSAGEIRO- Pedro! Pedro! Ó Pedro!
(Maria aparece)

PEDRO- Quem me chama?

MENSAGEIRO- Sou eu...Venha depressa encontrar-se com o rei...

PEDRO- Com o rei? Por quê?

MENSAGEIRO_ Porque você é médico e o rei está precisando de um urgentemente.

PEDRO(Furioso)- Que tenho eu que o rei esteja  precisando de um médico? É melhor você me deixar em paz e ir buscar o raio do médico em outro lugar.

MENSAGEIRO- Calma, Pedro, calma. (Aproximando-se) Sei que é preciso bater muito em você para...(Bem perto) Chegou o momento...(O mensageiro começa a bater vigorosamente em Pedro. Este grita, esperneia, foge e depois torna a gritar)

PEDRO- Chega! Chega! Eu vou! Eu vou! (De vez em quando aparece Maria e dá umas risadinhas)

MARIA (Para o público) Cada um por sua vez...Ah...ah...ah!...

MENSAGEIRO(Batendo sempre)- Ande , Pedro...Para o palácio do rei. Depressa!

2º ATO
Cenário: Palácio do rei
A princesa está recostada num canto, sofrendo. O rei anda de um lado para o outro, aflitíssimo. De vez em quando para, olha a filha e suspira

REI- O mensageiro está demorando muito...(Torna a andar)Estou ouvindo barulho.
MENSAGEIRO (Falando baixo) Senhor rei, eu vos trago um famoso médico. Mas ele tem uma mania esquisita. Só trata dos doentes quando apanha muito. (Neste momento a filha começa a andar, mas cai de novo)

REI (Aflito)- Então, pau nele, depressa!

PEDRO- Mas, rei, não sei nada de medicina.

REI- Não sabe , não? Ah!...(Para o mensageiro) Bate nele...Vamos...

PEDRO- Ui...Ui...ui...(Ele faz gestos, contorções, de tal maneira que a filha do rei começa a rir)

FILHA DO REI- Ai, meu Deus! De tanto rir, a espinha saiu de minha garganta.

PEDRO- Senhor rei, vossa filha já está boa. Agora deixai-me voltar para casa.

REI (Solene)- Ainda não. Ainda não. Você merece uma boa recompensa.

PEDRO (à parte)- Ai, será que eles vão começar a me bater de novo?(Alto) Não, senhor rei. Muito obrigado. Estou muito contente de ter prestado um serviço à princesa. Agora...quero...voltar!

REI (Enérgico)- ainda não. Mensageiro, dê a este grande médico uma bolçsa cheia de ouro e o acompanhe até sua casa.

MENSAGEIRO- Sim, senhor

PEDRO- Muito obrigado...muito obrigado. Mas prefiro que o mensageiro não me acompanhe. Prefiro ir sozinho.(à parte) Como dói a gente apanhar! Prometo nunca mais bater na Maria!
Maria aprece, abraça Pedro e saem os dois, muito contentes)
                                                       
                                              PANO


(MACHADO, Maria Clara. A aventura do teatro. Rio de Janeiro: José Olympo Editora, 1999)

Os poemas
 
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
 

QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.

ZADIG
ZADIG
          Zadig reconheceu que o primeiro mês do casamento é mesmo, como está escrito no Zenda, a lua de mel, e que o segundo é a lua de fel. Viu-se dentro em pouco obrigado a repudiar Azora, que se tornara dificílima de trato, e buscou refúgio no estudo da natureza. “Ninguém pode ser mais feliz — dizia ele — do que um filósofo que lê nesse grande livro colocado por Deus ante nossos olhos. É dono das verdades que descobre; alimenta e eleva a alma; vive tranqüilo; nada teme dos homens, e a sua extremosa mulher não lhe vem cortar o nariz”.
      Penetrado dessas idéias, retirou-se para uma casa, de campo à margem do Eufrates. Ali, não se preocupava ele era calcular quantas polegadas de água corriam por segundo sob os arcos de uma ponte, ou se caía mais uma linha cúbica de chuva no mês do rato do que no mês do carneiro. Não planejava fabricar seda com teias de aranha, nem porcelana com cacos de garrafa; ma dedicou-se principalmente ao estudo dos animais e das plantas, adquirindo em breve uma agudeza que lhe desvendava mil diferenças onde os outros não viam que uniformidade.
         Ora, estando um dia a passear pelas proximidades de um bosque, acorreu-lhe ao encontro um eunuco da rainha, seguido de vários oficiais que demonstravam a maior inquietação e vagavam de um lado para outro, como pessoas desorientadas que houvessem perdido a maior preciosidade deste mundo.
— Jovem — disse-lhe o primeiro eunuco, — não viste o cão da rainha?
— É uma cadela, e não um cão respondeu Zadig discretamente.
— Tens razão — tornou o primeiro eunuco.
— É caçadeira, e por sinal que muito pequena — acrescentou Zadig. — Deu cria há pouco; manqueja da pata dianteira esquerda e tem orelhas muito compridas.
— Viste-a, então? — perguntou o primeiro eunuco, esbaforido.
— Não — respondeu Zadig, — nunca a vi na minha vida nem nunca soube se a rainha tinha ou não uma cadela. Ao mesmo tempo, por um ordinário capricho da sorte, sucedeu escapar-se das mãos de um palafreneiro o mais belo exemplar das cavalariças do rei, extraviando-se nos campos de Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros oficiais corriam à sua procura com mais inquietação do que o primeiro eunuco em busca da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira acaso o cavalo do rei.
— É — respondeu Zadig — o cavalo de melhor galope; tem cinco pés de altura e os cascos pequenos; a cauda mede três pés e meio de comprimento; o freio é de ouro de vinte e três quilates; e as ferraduras de prata de onze denários.
— Que direção tomou ele? onde está? — perguntou o monteiro-mor.
— Não o vi — respondeu Zadig, — nem nunca ouvi falar nele.
O monteiro-mor e o primeiro eunuco não tiveram mais dúvidas de que Zadig houvesse roubado o cavalo do rei e a cadela da rainha; levaram-no perante a assembléia do grande desterham, que o condenou ao knut e a passar o resto da vida na Sibéria. Mal se encerrara o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela. Viram-se os juízes na dolorosa obrigação de reformar sua sentença; mas condenaram Zadig a desembolsar quatrocentas onças de ouro, por haver dito que não vira o que tinha visto. Primeiro foi preciso pagar a multa; depois concederam-lhe licença para se defender perante o conselho do grande desterham. Zadig falou nos seguintes termos:
     “Estrelas de justiça, abismos de ciência, espelhos da verdade, vós que tendes o peso do chumbo, a dureza do ferro o fulgor do diamante e tanta afinidade com o ouro! Já que me é dado falar perante essa augusta assembléia, juro-vos por Orosmade que jamais vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos reis. Eis o que me aconteceu. Passeava eu pelas cercanias do bosque onde vim a encontrar o venerável eunuco e o ilustríssimo monteiro-mor, quando vi na areia as pegadas de um animal. Descobri facilmente que eram as de um pequeno cão. Sulcos leves e longos, impressos nos montículos de areia, por entre os traços das patas, revelaram-me que se tratava de uma cadela cujas tetas estavam pendentes, e que portanto não fazia muito que dera cria. Outras marcas em sentido diferente, que sempre se mostravam no solo ao lado das patas dianteiras, denotavam que o animal tinha orelhas muito compridas; e, como notei que o chão era sempre menos amolgado por uma das patas do que pelas três outras, compreendi que a cadela de nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim me ouso exprimir. Quanto ao cavalo do rei dos reis, seja-vos cientificado que, passeando eu pelos caminhos do referido bosque, divisei marcas de ferraduras que se achavam todas a igual distância.
     “Eis aqui — considerei — um cavalo que tem um galope perfeito”. A poeira dos troncos, num estreito caminho de sete pés de largura, fora levemente removida à esquerda e à direita, a três pés e meio do centro da estrada. “Esse cavalo — disse eu comigo — tem uma cauda de três pés e meio, a qual, movendo-se para um lado e outro, varreu assim a poeira dos troncos”. Vi debaixo das árvores, que formavam um dossel de cinco pés de altura, algumas folhas recém-tombadas e concluí que o cavalo lhes tocara com a cabeça e que tinha, portanto, cinco pés de altura. Quanto ao freio, deve ser de ouro de vinte e três quilates: pois ele lhe esfregou a parte externa contra certa pedra que eu identifiquei como uma pedra de toque. E, enfim, pelas marcas que as ferraduras deixaram em pedras de outra espécie, descobri eu que era prata de onze denários”.
       Todos os juízes pasmaram do profundo e sutil discernimento de Zadig, o que logo chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se falava em Zadig nas antecâmaras, na câmara e no gabinete; e, embora vários magos opinassem que o deviam queimar como feiticeiro, ordenou o rei que lhe restituissem as quatrocentas onças de ouro a que fora multado. O escrivão, os meirinhos, os procuradores, compareceram em grande pompa à presença de Zadig, para lhe entregar as suas quatrocentas onças; apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do processo, e os seus ajudantes reclamaram gratificação.
      Zadig compreendeu como era às vezes perigoso ser demasiado sábio, e jurou consigo que, na próxima ocasião, nada diria do que acaso houvesse testemunhado.
     Essa oportunidade não se fez esperar. Um prisioneiro de Estado, que fugira, passou pelas janelas de sua casa. Zadig, interrogado, nada respondeu; mas provaram-lhe que ele olhara pela janela. Foi multado, por esse crime, em quinhentas onças de ouro, e ele agradeceu a indulgência dos juízes, segundo o costume de Babilônia. “Como é lamentável, meu Deus, — dizia ele consigo, — ir a gente passear num bosque por onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Que perigoso chegar à janela! E que difícil ser feliz nesta vida!”
VOLTAIRE, Zadig ou O destino. In: http://www.livrosgratis.net/download/2457/zadig-ou-o-destino-voltaire.html. Cap. III Acesso em 26/07/2011)



As Proezas de João Grilo



João Martins de Athayde

João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe.

Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisome na rua.

Porém João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
e boca grande e beiçudo
no sítio onde morava
dava notícia de tudo.

João perdeu o seu pai
com sete anos de idade
morava perto de um rio
Ia pescar toda tarde
um dia fez uma cena
que admirou a cidade.

O rio estava de nado
vinha um vaqueiro de fora
perguntou: dará passagem?
João Grilo disse: inda agora
o gadinho do meu pai
passou com o lombo de fora.

O vaqueiro bota o cavalo
com uma braça deu nado
foi sair já muito embaixo
quase que morre afogado
voltou e disse ao menino:
você é um desgraçado.

João Grilo foi ver o gado
pra provar aquele ato
veio trazendo na frente
um bom rebanho de pato
os pássaros passaram n"água
João provou que era exato.

Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha
deixando João Grilo em casa
e quando deu fé, lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha

João disse; só tem garapa;
disse o padre; donde é?
João Grilo lhe respondeu;
é do engenho catolé;
disse o padre: pois eu quero;
João levou uma coité.

O padre bebeu e disse:
oh! que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
o padre disse: e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa.

João trouxe uma coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: beba mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
tava podre e fedorento.

O padre disse: menino
tenha mais educação
e por que não me disseste?
oh! natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão.

João Grilo disse: danou-se!
misericórdia, São Bento!
com isto mamãe se dana
me pague mil e quinhentos
essa coité, seu vigário,
é de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma popa
disse para o sacristão:
esse menino é o diabo
em figura de cristão!
meteu o dedo na goela
quase vomita um pulmão.

João Grilo ficou sorrindo
pela cilada que fez
dizendo: vou confessar-me
no dia sete do mês
ele nunca confessou-se
foi essa a primeira vez.

(ATHAYDE, João Martins de . As Proezas de João Grilo. In: http://pt.scribd.com/doc/7024430/Joao-Martins-de-Athayde-As-Proezas-de-JoAo-Grilo-Cordel- Acesso em 26/07/2011)


A vida do homem
Certo dia a pedra e a taquara discutiam acerca disto: a qual das duas mais se assemelharia a vida do homem sobre a Terra. Foi esse o diálogo:
Pedra: - A vida do homem deve ser semelhante à minha; terá uma vida longa como a minha.
Taquara: - A vida do homem deve ser semelhante à minha. Eu morro, mas volto logo à vida.
Pedra: - Não pode ser assim; eu não vergo ao soprar dos ventos nem às força das chuvas. O calor não me prejudica. A minha vida é longa, ou, antes, não tem fim. E, o que é melhor, não sente dor nem tem preocupações.
Taquara: - Nao. Como a minha deve ser a vida do homem. Infelizmente morrerei, mas hei de renascer nos meus filhos. Eu não faço assim? Observe ao redor de mim. E, como meus filhos, também os dele terão uma pele mole e branca.
A pedra não teve o que responder à taquara. Zangou-se e foi-se embora. Assim, a vida do homem ficou sendo semelhante à da taquara.
(LISBOA, Henriqueta. Literatura oral, contos e fábulas populares no Brasil. São Paulo: Peirópolis, 2002.p.55)



Uma idéia toda azul
Um dia o Rei teve uma idéia. Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com Ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda idéia dele toda azul.
Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore.
Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter chamado a atenção de alguém.
Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma idéia: Quem jamais saberia que já tinha dono?
Com a idéia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos, atravessou salões, Desceu escadas, subiu degraus, até Chegar ao Corredor das Salas do Tempo.
Portas fechadas, e o silêncio.
Que sala escolher?
Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até chegar à Sala do Sono.
Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como teias.
Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a idéia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.
A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.
O tempo correu seus anos. Idéias o Rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais Que mentiam a verdade. Apenas, sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.
Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto. Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.
Ninguém mais se ocupa de mim - dizia atravessando salões e descendo escadas a caminho das Salas do Tempo - ninguém mais me olha. Agora posso buscar minha Linda idéia e guardá-la só para mim.
Abriu a porta, levantou o cortinado.
Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia.
Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda. Mas o Rei não era mais o Rei daquele dia.
Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma graça. Brincar não queria, nem Rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.
Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.
Depois baixou o cortinado, e deixando a idéia adormecida, fechou para sempre a porta.


(Marina Colasanti, in Uma idéia toda azul, Rio de Janeiro: Nórdica, 1979.p.31)




Na casa de Dona Rata

Na casa de Dona Rata,
tem uma enorme goteira.
Quando chove, ninguém dorme,
acordado, a noite inteira.
A goteira é tão grande
que molha a sala e a cozinha,
quarto, banheiro, despensa
e mais de vinte ratinhas.
Dona Rata contratou
um ratão para o conserto:
– De que adianta eu subir,
se o telhado não tem jeito?
Não tem jeito, seu Ratão
explique então esse caso.
– Sua casa, dona Rata,
não tem telha nem telhado.
 Ilustração de CAULUS. 
(CAPARELLI, Sérgio. Boi da Cara Preta Alegre:LP&M, 1998. 27ª edição)


O lobo e o cordeiro
(Esopo)
Na água limpa de um regato,
matava a sede um cordeiro,
quando, saindo do mato,
veio um lobo carniceiro.
Tinha a barriga vazia,
não comera o dia inteiro.
- Como tu ousas sujar
a água que estou bebendo?
- rosnou o Lobo a antegozar
o almoço. - Fica sabendo
que caro vais me pagar!
- Senhor - falou o Cordeiro -
encareço à Vossa Alteza
que me desculpeis mas acho
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a água.
- Não importa. Guardo mágoa
de ti, que ano passado,
me destrataste, fingido!
- Mas eu nem tinha nascido.
- Pois então foi teu irmão.
- Não tenho irmão, Excelência.
- Chega de argumentação.
Estou perdendo a paciência!
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi teu irmão? Foi o teu pai
ou senão foi teu avô.
Disse o Lobo carniceiro.
E ao Cordeiro devorou.
Onde a lei não existe, ao que parece,
a razão do mais forte prevalece

Soberania

Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.

BARROS, Manoel . Memórias Inventadas - A Terceira Infância.  São Paulo: Editora Planeta , 2008.  Tomo X. Iluminuras de Martha Barros.


Do mundo do centro da terra ao mundo de cima
Povo munduruku (Mito Tupi)
No antigo tempo da criação do mundo com toda sua beleza, os Munduruku viviam dispersos, sem unidade e guerreando entre si. Era uma situação muito ruim que tornava a vida mais difícil e indócil. Foi aí que ressurgiu Karú-Sakaibê, o grande 5Criador, que já havia realizado tantas coisas boas para este povo.
Contam os velhos que foi ele quem criara as montanhas e as rochas soprando em penas fincadas no chão. Eram também criações dele os rios, as árvores, os animais, as aves do céu e os peixes que habitam todos os igarapés.
            Karú-Sakaibe, tendo percebido que o povo que ele criara não estava unido, decidiu voltar para unificá-lo e lembrá-lo como havia sido trazido do fundo da terra quando ele decidiu enfeitar a terra com gente que pudesse cuidar da obra que criara.
Assim contam os velhos sobre a vinda dos Munduruku ao mundo de cima:
Karú-Sakaibê andava pelo mundo sempre e, companhia de seu fiel amigo Rairu, que embora fosse muito poderoso, gostava de brincar e se divertir. Um dia, Rairu fez uma figura de tatu juntando as folhas, gravetos e cipós. Era uma imitação perfeita. Tão perfeita que o jovem brincalhão resolveu colá-lo com resina feita com a cera de mel de abelha para que seu desenho nunca desaparecesse. Para secar a resina Rairu enterrou o seu “tatu” debaixo da terra deixando apenas o rabo de fora. Porém, quando ele tentou, depois de algum tempo, retirar sua mão do rabo não conseguiu, pois a resina havia secado e ele ficara grudado no rabo do tatu.
Como Rairu tinha um grande poder, deu vida ao desenho e este, em vez de querer sair do buraco, foi adentrando-se cada vez mais, carregando consigo o pobre rapaz preso ao seu rabo. Por mais que tentasse se soltar não conseguia. O tatu-desenho foi cada vez mais fundo e quando chegou ao centro da terra, Rairu encontrou muita gente que por lá morava. Tinha gente de todo jeito: algumas eram bonitas, outras eram feias; algumas eram boas e outras eram más e preguiçosas.
Rairu ficou tão impressionado com aquilo que decidiu sair rapidamente do buraco para contar a Karú-Sakaibê, que já devia estar preocupado com sua demora. E estava mesmo. Kairú irritou-se tanto com seu companheiro que decidiu castigá-lo, batendo nele com um pedaço de pau. Para se defender o jovem contou sua aventura ao centro da terra e como ele havia encontrado gente lá. Estas palavras chamaram a atenção de Karú, que decidiu trazer toda esta gente para o mundo de cima.
Rairu ainda perguntou como poderiam fazer isso se eles estavam tão longe. O herói criador nem sequer deu ouvido ao jovem. Começou a fazer uma pelota e enrolá-la na mão. Em seguida jogou a pelota no chão e imediatamente nasceu um pé de algodão. Colher, então, o algodão e com suas fibras fez uma corda que passou na cintura de Rairu e ordenou que fosse ao centro da terra buscar as pessoas que ele vira lá.
Reiru desceu pelo mesmo buraco do tatu. Quando chegou reuniu todo mundo e falou das maravilhas que havia no mundo de cima e que queria que todos subissem pela corda para conhecer este novo mundo. Os primeiros a subir foram os feios e os preguiçosos, por que estes imaginavam que iam encontrar alimentos com muita facilidade e nunca mais precisariam trabalhar. Depois subiram os bonitos e formosos. No entanto, quando estes últimos já estavam quase alcançando o topo, a corda arrebentou e um grande número de gente bonita caiu no buraco e permaneceu vivendo no fundo da terra.
Como eram muitos, Karú-Sakaibê quis diferenciá-los uns dos outros. Para que uns fossem Munduruku, outros Mura, Arara, Mawé, Panamá, Kaiapó e assim por diante. Cada um seria de um povo diferente. Fez isso pintando uns de verde, outros de vermelho, outros de amarelo e outros de preto. No entanto, enquanto Karú pintava um por um, os que eram feios e preguiçosos adormeceram.
Esta atitude das pessoas feias irritou profundamente o herói criador. Como castigo por sua preguiça, Karú-Sakaibê os transformou em passarinhos, porcos do mato, borboletas e em outros bichos que passaram a habitar a floresta.
            No entanto, àqueles que não eram preguiçosos ele disse:
- Vocês serão o começo, o princípio dos novos tempos e seus filhos e os filhos de seus filhos serão valentes e fortes.
E para presenteá-los por sua lealdade, o grande herói preparou um campo, semeou e mandou chuva para regá-lo. E tão logo a chuva caiu nasceram a mandioca, o milho, o cará, a batata-doce, o algodão, as plantas medicinais e muitas outras que servem, até os dias de hoje, de alimento para essa gente. Ainda os ensinou a construir fornos para preparar a farinha.
Contam nossos avós que foi assim que Karú-Sakaibê transformou a grande nação Munduruku num povo forte, valente e poderoso.

(MUNDURUKU, Daniel. Contos indígenas brasileiros- São Paulo: Global, 2005)